A intertextualidade para Bazerman e exemplos em mídia

INTRODUÇÃO


Saudações, caros leitores. O objetivo do post desta semana é versar sobre o fenômeno da intertextualidade e seus níveis e tipos. Desse modo, esta publicação busca tratar dos seguintes assuntos: 1. O que é intertextualidade?; 2. Níveis de intertextualidade; 3. Técnicas de representação intertextual; 4. Exemplos e esclarecimentos.

Para isso, recorri ao texto “Intertextualidade: como os textos se apoiam em outros textos”, de Charles Bazerman (2021), traduzido por Leonardo Mozdzenski e Judith Hoffnagel. Vejamos:


O QUE É INTERTEXTUALIDADE?


A originalidade, seja especificamente no processo de escrita ou na realização artística, é um aspecto de difícil ocorrência. Na atualidade, são recorrentes ditados do tipo “você não precisa inventar a roda” ou “nada se cria, tudo se copia”, quando o assunto está relacionado à produção de algo. Nesses casos, o foco recai mais na forma que o autor mistura e incorpora os elementos de acordo com o seu ponto de vista pessoal. Talvez essa seja a originalidade de fato. 

O processo de escrita, especialmente, é fortemente guiado por influências de leituras prévias. Na escrita criativa, a base se dá diante dos autores que o sujeito lê, cabendo a esse escritor "secundário" mesclar suas voz pessoal com suas influências. Na escrita acadêmica, esse processo é ainda mais presente, haja vista que, devido às fortes influências do positivismo, tudo que é produzido na academia deve ter base em estudos prévios e referências.

Diante disso, é importante compreender que essa relação estabelecida entre textos é denominada intertextualidade. De acordo com Bazerman (2021, p. 142), esse fenômeno linguístico ocorre por meio das “[...] relações explícitas e implícitas que um texto ou um enunciado estabelecem com os textos que lhe são antecedentes, contemporâneos ou futuros (em potencial)”. Isso pode ocorrer mediante uma referência, uma citação, aspectos estilísticos, paródias, pastiches, entre outros meios. 


NÍVEIS DE INTERTEXTUALIDADE


Para fins analíticos, Bazerman (2021, p. 142) apresenta 6 (seis) “níveis de intertextualidade”, que dizem respeito aos níveis cuja intertextualidade explícita pode ocorrer em textos ou enunciados.


  1. Nível de valor nominal: 


Recorre a textos anteriores como fonte de sentido e legitimação. Utiliza declarações de fontes autorizadas com o intuito de atingir os objetivos do texto. Por exemplo, a citação de trechos da constituição federal como forma de amparar as solicitações de um recurso.


  1. Nível de dramas sociais explícitos: 


Trata de discussões e dramas sociais explícitos em textos, eventos ou situações da vida real. Por exemplo, o uso em uma reportagem de posicionamentos dos dois lados envolvidos nos conflitos em Gaza.


  1. Nível de pano de fundo, apoio ou contraposição: 


Adota declarações com fins de estabelecimento de pano de fundo, contextualização, apoio a uma ideia do autor do texto ou uma contraposição. Por exemplo, o uso de autores acadêmicos renomados em pesquisas como forma de embasamento de uma perspectiva, representa um nível de apoio.


  1. Nível de apoio em crenças, ideias, declarações populares e senso comum:


Utiliza uma forma subentendida de intertextualidade em que as máximas estão ancoradas em fontes específicas ou crenças populares e pensamento do senso comum. Por exemplo, a máxima da liberdade de expressão, ancorada em uma fonte específica (a constituição), como aspecto norteador de um texto polêmico publicado em uma coluna jornalística opinativa.


  1. Nível de linguagem, estilo e gênero:


Opta pela adoção de determinados recursos estilísticos de linguagem característicos do grupo, comunidade ou gênero em que o texto se materializa. Por exemplo, textos de gêneros típicos da comunidade acadêmica adotam a linguagem acadêmica, assim como textos literários têm suas características específicas. 


  1. Nível de conhecimento linguístico disponível:


Contempla termos linguísticos disponíveis e conhecidos. Isto é, todo texto adota termos que fazem sentido no contexto que é escrito. Como exemplo, o dicionário Oxford estabeleceu o termo “brain rot” como a palavra do ano de 2024, que significa o apodrecimento mental mediante o consumo de conteúdo digital não construtivo. Esse termo é específico do contexto sócio-histórico e cultural e demanda dos sujeitos o conhecimento de sua significação e popularização.


TÉCNICAS DE REPRESENTAÇÃO INTERTEXTUAL


As técnicas de representação intertextual são definidas por Bazerman (2021) como formas de reconhecer os níveis mencionados anteriormente. Ele define 6 (seis) técnicas de representação. Vejamos:


  1. Citação direta: 


As citações diretas são as incorporadas a um texto ipsis litteris como foi dito pelo autor da versão original. Normalmente são identificadas por recursos adotados pelo autor com fins de diferenciação do resto do texto. Podem ser utilizados artifícios como aspas, itálico, paragrafação, entre outros. Como exemplo, vejamos a Imagem 1:


Imagem 1: Exemplo de citação direta

Fonte: Viveiros (2025)


No exemplo apresentado na Imagem 1, podemos observar claramente marcado em azul a utilização de uma citação direta, em que o segundo autor, Viveiros (2025), adota perspectivas de outros autores para embasar os seus apontamentos.


  1. Citação indireta:


No caso das citações indiretas, elas ocorrem por meio de paráfrase. O autor do segundo texto objetiva integrar o que é dito pelo autor do texto original à sua perspectiva de autora, alinhando a ideia do texto original a do seu texto. Nesse caso, o segundo autor normalmente identifica a fonte e tenta reproduzir o texto original, ao mesmo tempo que alinha o seu próprio ponto de vista. Para fins de esclarecimentos, vejamos a Imagem 2:


Imagem 2: Exemplo de citação indireta

Fonte: Viveiros (2025)


Na Imagem 2, é possível identificar o uso de uma citação indireta, devidamente identificada com a referência dos autores originais entre parênteses. O autor do segundo texto incorpora as ideias dos autores originais, ao mesmo tempo que alinha suas próprias perspectivas.


  1. Menção a uma pessoa, documento ou declarações:


A intertextualidade por meio de menção a pessoas ou documentos tem um caráter significativo quase subjetivo, cuja real intenção do autor em uma utilização não fica clara e tem base na relação do autor com o texto citado e com o tópico abordado no segundo texto. Pode ocorrer em textos cujo autor prefere permanecer apartidário sob os olhos do público. Vejamos a Imagem 3:


Imagem 3: Exemplo de menção de documento

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/liberdade-expressao-direito-fundamental-em-risco/


A Imagem 3 apresenta no título o termo “Liberdade de expressão”, resgatando os pressupostos da constituição brasileira. Nesse caso, especialmente sem acesso ao texto todo, essa intertextualidade torna-se quase subjetiva, impossibilitando ao leitor compreender de fato as reais intenções do redator do texto.


  1. Comentário ou avaliação acerca de uma declaração, de um texto ou de outra voz presente no texto:


Essa técnica de representação intertextual consiste em comentários avaliativos acerca de perspectivas abordadas no texto, podendo ser de uma citação direta, dados estatísticos ou outras vozes resgatas. Por exemplo, vamos observar a Imagem 4:


Imagem 4: Exemplo de comentário acerca de dados estatísticos

Fonte: https://www.rj.gov.br/noticias/turistas-avaliam-o-rio-de-janeiro-como-mais-seguro-apos-o-carnaval-2025-diz-estudo-da-fecomercio-rj6740


Em relação a Imagem 4, o governador Cláudio Castro apresenta seus olhares e interpretações quanto aos dados estatísticos mencionados na reportagem, estabelecendo uma intertextualidade ao resgatar o texto original (os dados).


  1. Uso de estilos reconhecíveis, de terminologia associada a determinadas pessoas ou grupo de pessoas, ou de documentos específicos:


A intertextualidade mediante estilos reconhecíveis é bastante autoexplicativa, ela ocorre por meio de menções ou reinterpretação de frases, expressões, termos e dizeres associados a pessoas conhecidas, grupos ou documentos específicos. Vejamos a Imagem 5:


Imagem 5: Exemplo de uso de terminologia associada a determinada pessoa

Fonte: https://pbs.twimg.com/media/ElcyDFHXEAoNR_k.jpg


A Imagem 5 é uma publicação da União da Juventude Comunista (UJC) e traz os dizeres “A internet é o ópio do povo”, fazendo referência a frase de Karl Marx “A religião é o ópio do povo”.


  1. Uso de linguagem e de formas linguísticas que parecem ecoar certos modos de comunicação, discussões entre outras pessoas e tipos de documentos: 


Nesse caso, o fenômeno da intertextualidade se dá mediante a realização do gênero, o vocabulário adotado, as frases, os enunciados e padrões de expressões adotados pelo autor do texto. Todos esses elementos contribuem para uma relação intertextual que remete a um contexto de produção. Como exemplo, podemos observar a Imagem 6:


Imagem 6: Exemplo de uso de formas linguísticas que ecoam modos de comunicação tipos de documentos

Fonte: https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcR5_k18VSgvfHELLNfJc8x_nJdkOXriIjqx_w&s


A Imagem 6 se trata do gênero anúncio publicitário, caracterizado pela sua linguagem apelativa e persuasiva com o objetivo de levar os leitores a comprar um determinado produto. Nesse caso, essas características podem ser identificadas nos dizeres “Compre baton” repetidamente.


EXEMPLOS DE INTERTEXTUALIDADE EM VÍDEOS


Lançamento da expedição Apollo 11 e comercial da Audi (2016)


A primeira expedição bem sucedida do homem à lua aconteceu em 20 de julho de 1969. A missão, organizada e executada pela National Aeronautics and Space Administration (NASA), foi denominada Apollo 11.

O foguete que levou os astronautas à lua tinha como passageiros Buzz Aldrin, Michael Collins e Neil Armstrong, com este último sendo o primeiro ser humano a pôr os pés na lua.

Em 2016, com base nesse acontecimento, a empresa automobilística Audi divulgou o comercial de um de seus carros. Na propaganda, há uma intertextualidade entre a expedição Apollo 11 e o produto vendido pela empresa. Vejamos as imagens que seguem.


Imagens 7 e 8: Lançamento do Apollo 11 à esquerda e comercial da Audi à direita

Fonte: Arquivos da disciplina


As Imagens 7 e 8 foram selecionadas para representar a intertextualidade sonora que ocorre entre os dois vídeos. A Imagem 7, retirada do vídeo da transmissão da expedição Apollo 11, foi capturada no momento em que ocorre a contagem regressiva para o lançamento do foguete. Já na Imagem 8, retirada do comercial da Audi, eles utilizam uma citação direta da contagem regressiva do lançamento, possibilitando a intertextualidade sonora.


Imagens 9 e 10: Lançamento do Apollo 11 à esquerda e comercial da Audi à direita

Fonte: Arquivos da disciplina


As Imagens 9 e 10, por sua vez, apresentam uma intertextualidade emotiva. Nesse caso, o processo de decolagem do foguete, visto na Imagem 9, representa uma emoção coletiva, haja vista que se tratava de um evento aguardado pelo grande público. A Imagem 10, em seu turno, representa a emoção pessoal do sujeito ao manusear o carro. Desse modo, temos uma intertextualidade por meio do aspecto emocional.


Imagens 11 e 12: Lançamento do Apollo 11 à esquerda e comercial da Audi à direita

Fonte: Arquivos da disciplina


Por fim, as Imagens 11 e 12 não precisam de uma longa explicação no que se refere ao fato de sua intertextualidade. Nos frames apresentados, há uma clara correlação entre o lançamento da expedição Apollo 11 (Imagem 11) e a sua recriação no comercial (Imagem 12).


O filme O grande ditador e a abertura da novela O dono do mundo


O trabalho de Charlie Chaplin é constantemente referenciado em mídias da cultura pop. A essa altura, o trabalho do artista já é quase parte integrante de um imaginário popular, especialmente o filme O grande ditador (1940). O trabalho foi lançado durante a Segunda Guerra Mundial e trata de forma jocosa, satírica e crítica do crescimento do movimento nazifascista e das políticas antissemitas de Adolf Hitler.

Uma das cenas mais emblemáticas do filme é a que o ditador brinca um balão do globo terrestre, uma forma de representar a destruição em massa e como isso afetava todo o globo.

A novela O dono do mundo (1991), por sua vez, recriou, de modo intertextual, a cena do filme de Chaplin para a sua abertura. Vejamos as Imagens de 13 à 18.


Imagens 13 e 14: Filme O grande ditador à esquerda e abertura da novela à direita

Fonte: Arquivos da disciplina


As Imagens 13 e 14 foram selecionadas para exemplificar como a reconstrução intertextual da cena do filme foi realizada na abertura da novela. Ao invés de uma reimaginação ou uma breve adaptação, foi optado por uma reconstrução quase exata.


Imagens 15 e 16: Filme O grande ditador à esquerda e abertura da novela à direita

Fonte: Arquivos da disciplina


Os frames 15 e 16 demonstram uma inter-relação além da narrativa, mas que contempla o figurino, o mise-en-scene, a locação, o filtro da imagem, os gestos, até a iluminação, tudo dialoga de modo intertextual entre os dois materiais midiáticos.


Imagens 17 e 18: Filme O grande ditador à esquerda e abertura da novela à direita

Fonte: Arquivos da disciplina


Por fim, é importante mencionar a intertextualidade dos símbolos. O filme O grande ditador é uma sátira do nazismo e o símbolo exato não poderia ser utilizado, sendo necessária a mudança por algo semelhante. As Imagens 17 e 18 apresentam o símbolo escolhido por Chaplin e presente de modo intertextual na abertura da novela.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Portanto, é preciso compreender que existem diversas formas de realizar intertextualidade e que isso é parte essencial do processo de escrita, haja vista que todos os textos têm por base outros textos previamente realizados. Além disso, o “como e o “para que” você adota recursos intertextuais" são importantes para que o texto atinja o objetivo pretendido.


REFERÊNCIAS:


BAZERMAN, Charles. Intertextualidade: como os textos se apoiam em outros textos. In: BAZERMAN, Charles; DIONISIO, Angela Paiva; HOFFNAGEL, Judith Chambliss (org.). Gênero, agência e escrita. 2. ed. Recife: Pipa Comunicação, Campina Grande: EDUFCG, 2021. v. 2, cap. 7, p. 135-161.


VIVEIROS, Anderson Alves da Silva. Novos letramentos no livro create this book: o novo ethos em uma experiência interativa. In: SILVA, Franklin Oliveira; ARAÚJO, Dandara Rochelly Fernandes; SILVA, Jó Gomes da (org.). Letramentos: tecnologias, horizontes da inteligência artificial e outras perspectivas. Teresina: FUESPI, 2025. v. 4, cap. 1, p. 17-30. Disponível em: https://editora.uespi.br/index.php/editora/catalog/book/237. Acesso em: 7 jun. 2025.


Comentários

  1. Parabéns! sua escrita é muito boa. Organizado nas suas ideias e coerente.

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