Percepções pragmáticas e os atos de fala
INTRODUÇÃO
Saudações, caros leitores. Para o post desta semana, lhes apresento algumas perspectivas sobre a pragmática, campo de estudos linguísticos com foco nos usos da linguagem. Com isso, esta publicação busca tratar dos seguintes assuntos: 1. breve conceitualização da pragmática; 2. a teoria dos atos de fala; 3. exemplos e esclarecimentos.
Para isso, recorri a textos de Pinto (2021) e Fiorin e Discini (2013) para tratar do foco da pragmática; e adotei textos de Austin (1990), Wilson (2011) e Silva (2017) para versar sobre os atos de fala. Vejamos:
A PRAGMÁTICA E OS ATOS DE FALA
Os usos da linguagem ocorrem de forma complexa, pois variam de acordo com a situacionalidade, o contexto, as influências socioculturais e os interactantes. Desde Saussure, os estudos linguísticos tinham como foco a língua em seu aspecto estrutural, entretanto, eventualmente, as trocas comunicacionais encontraram seu lugar no escopo da linguística. A pragmática, portanto, é a vertente que busca tratar da linguagem em contexto comunicacional, focalizando o seu uso, bem como as condições que governam esse processo (Fiorin; Discini, 2013; Pinto, 2021).
Um dos nomes responsáveis pela efervescência dos estudos pragmáticos foi John Langshaw Austin. Ele foi responsável pela publicação do trabalho “How to do things with words” (1962), traduzido em português como “Quando dizer é fazer” (1990). O título da obra é um encapsulamento satisfatório da teoria defendida pelo autor no decorrer do livro, a percepção da linguagem como uma forma de ação.
Uma parte importante desse trabalho diz respeito à caracterização do que o autor vai chamar enunciados performativos e enunciados constativos. O primeiro trata de enunciados que realizam ações quando/porque são ditos, enquanto o segundo são aqueles que apenas afirmam algo (Pinto, 2021). Por exemplo, a construção “Então vos declaro marido e mulher” se trata de um enunciado performativo, pois realiza a ação de oficializar a união entre dois indivíduos. Entretanto, o enunciado “A porta estava fechada” é caracterizado como constativo, pois não realiza ação nenhuma, apenas aponta um fato.
Ademais, o livro de Austin foi um expoente necessário para a difusão da teoria dos atos de fala, parte importante dos estudos pragmáticos. De acordo com Wilson (2011, p. 92), essa teoria “[...] considera as frases da língua como ação sobre o real [...]”, estando devidamente alinhada com a proposta da obra de Austin e com o escopo de estudos do campo pragmático.
Os atos de fala são divididos em três, sendo eles o locucionário, o ilocucionário e o perlocucionário. Conforme Austin (1990, p. 90), “[...] podemos distinguir o ato locucionário ‘ele disse que…’ do ato ilocucionário ‘ele argumentou que…’ e do ato perlocucionário ‘ele me convenceu que…’”. Grosso modo, o primeiro está relacionado ao que é dito, o segundo ao que está subentendido e o último aos efeitos causados. A esse respeito, a imagem seguinte busca elucidar as ideias apresentadas, vejamos:
Imagem 1: Atos de fala
Fonte: https://letrasemarmamar.blogspot.com/p/classificacao-dos-atos-ilocutorios.html
Nesse contexto, Silva (2017, p. 17) esclarece que “O ato locucionário é aquele em que se diz algo, constitui-se na emissão de um conjunto organizado de sons. O ato ilocucionário é constituído de uma determinada força associada a um significado. [...] Já o ato perlocucionário consiste no efeito do dito no interlocutor”. Dessa forma, os atos de fala levam em consideração o que é dito, o que é compreendido e o efeito desencadeado.
A título de esclarecimento, vejamos os seguintes exemplos:
Exemplo 1: “Got a light?”
No exemplo 1, “Got a light?” ou, em tradução livre, “Tem isqueiro?”, não se configura apenas como uma pergunta em si. O locutor não quer apenas saber se o seu interlocutor tem ou não um isqueiro. Ele pergunta na intenção de pegá-lo emprestado. Logo, “Got a light?” é o ato locucionário, enquanto a força de pedido subentendida é o ato ilocucionário. O ato perlocucionário, por sua vez, apesar de não aparecer a imagem, podemos presumir que seja o sentimento do interlocutor de acatar ao pedido, emprestando o isqueiro ao locutor.
Exemplo 2: “Conversa no telefone”
Em um diálogo por telefone com o filho, uma mãe diz: Se quando eu chegar em casa a louça não estiver lavada e guardada você vai ver uma coisa.
No exemplo 2, o ato locucionário trata-se do enunciado performado. Quanto ao ato ilocucionário, ele tem a força de uma ordem e uma ameaça. Por fim, em relação ao ato perlocucionário, é possível presumir que o filho se sentiu coagido e acatou ao que lhe foi ordenado.
REFERÊNCIAS:
AUSTIN, John Langshaw. Atos locucionários, ilocucionários e perlocucionários. In: AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer: palavras em ação. Tradução: Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. cap. 8, p. 85-94.
PINTO, Joana Plaza. Pragmática. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (org.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2021. v. 2, cap. 2.
WILSON, Victoria. Motivações pragmáticas. In: MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.). Manual de linguística geral. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011. cap. 6, p. 87-110.
FIORIN, José Luiz; DISCINI, Norma. O uso linguístico: a pragmática e o discurso. In: FIORIN, José Luiz (org.). Linguística? Que é isso?. São Paulo: Contexto, 2013. cap. 6, p. 181-203.
SILVA, Leosmar Aparecido da. Relações entre a teoria dos atos de fala e quadrinhos humorísticos. Revista Temporis[ação], Goiás, n. 1, p. 114-127, 2017. Disponível em: https://www.revista.ueg.br/index.php/temporisacao/article/view/5994. Acesso em: 27 mar. 2025.
Muito bom, Anderson!
ResponderExcluirÓtimo texto! Parabéns!
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