Cores, emoções e significados plurais em culturas diversas

INTRODUÇÃO


Saudações, caros leitores. O objetivo do post desta semana é tratar do papel das cores na construção de sentido e suas variações culturais. Desse modo, esta publicação busca tratar dos seguintes assuntos: 1. O fenômeno das cores; 2. A simbologia das cores; 3. A relação entre as cores e as emoções; 4. Cores, significação e diversidade cultural.

Para isso, recorri ao texto “Cross-cultural emotion and symbolic meaning of colors", de Harshani Cajanayake. Vejamos:


O FENÔMENO DAS CORES


As cores são fenômenos luminosos que ocorrem quando um raio de luz incide sobre um objeto e diferentes comprimentos de uma onda de luz são refletidos. Essas ondas chegam aos olhos humanos e as compreendemos como cores.

A luz solar tem um papel importante na percepção desse fenômeno, propiciando uma variedade de tons e intensidades conforme a terra se move ao redor do sol. Por exemplo, as cores podem ser mais fortes ou mais fracas dependendo da intensidade do sol e do momento do dia.

É imperioso ressaltar que a física determina que não existem cores “reais”, apenas comprimentos de onda que compõem a luz que é refletida pelos objetos. Esse reflexo chega aos olhos humanos, que envia sinais de captação ao cérebro. Esse simples fenômeno é responsável por um conjunto de potencialidades construídas a partir da percepção e do uso das cores, atingindo a esfera cultural, social, política, entre outras.


EMOÇÕES INTERCULTURAIS E O SIGNIFICADO SIMBÓLICO DAS CORES


É inegável que as cores são parte fixa das vivências cotidianas dos sujeitos e desempenham um papel importante no senso estético dos indivíduos. Elas estão presentes em metáforas populares como “levantar a bandeira branca”, representando sinal de paz, ou em convenções socioculturais relacionadas a papéis de gênero, como menino usa azul e menina usa rosa. As cores também desempenham um papel importante na comunicação não verbal, como é o caso dos sinais de trânsito.

O simbolismo das cores é fortemente presente em contextos religiosos, míticos, históricos e políticos. Em relação a este último, basta observar a polarização política brasileira, cujo vermelho representa os partidários progressistas da esquerda, enquanto as cores da bandeira – verde, amarelo, azul e branco – são artefatos de saudosismo para os partidários reacionários da extrema-direita.

Dependendo da cultura, as cores podem ter significações positivas ou negativas. Por exemplo, o vermelho é comumente reconhecido como a cor do amor, mas representa a morte na sociedade celta. O preto, por sua vez, associado à morte e ao luto em muitas sociedades ocidentais, pode representar realeza, poder e conforto em áreas da China. Já uma parte da população do Sri Lanka tem o banco como cor do luto.

Cores são utilizadas como forma de alerta, na identificação de países e grupos mediante sua presença nas bandeiras e, na antiguidade, estavam diretamente relacionadas com os estados psicológicos e emocionais dos indivíduos. Seguindo a linha do campo da saúde, a simbologia das cores pode ser observada na condição chamada "sinestesia das cores", cujo sujeito associa cores a sons, sabores, entre outros. Ainda, durante a idade média, de acordo com a teoria dos quatro humores inicialmente desenvolvida por Hipócrates, o estado melancólico dos pacientes era conhecido como "bílis preta".


AS CORES E AS EMOÇÕES


As emoções estão diretamente relacionadas a diversos aspectos da vivência humana, sejam fatores econômicos, políticos, culturais, o emocional humano é facilmente alterado. As emoções estão associadas a pensamentos, sentimentos, temperamento, personalidades, disposição e motivação, e podem ser influenciadas pela cognição.

Algumas emoções são básicas e universais, tais como a felicidade, a surpresa, a tristeza, a raiva, o nojo, o desprezo, o medo, a vergonha, a timidez e a culpa. Algumas delas são frequentemente representadas no cinema, como acontece nos filmes Divertida Mente 1 e 2.


Imagem 1: Divertida Mente 2 - As cores e as emoções

Fonte: https://static1.purepeople.com.br/articles/6/39/36/46/@/4499280--divertida-mente-2-cada-uma-das-emocoe-1200x0-2.png


No filme, é possível observar algumas das emoções básicas representadas por personagens que se distinguem, especialmente, por suas cores, diretamente relacionadas com as emoções que representam.


PERCEPÇÕES SIMBÓLICAS DAS CORES EM DIFERENTES CULTURAS


As relações estabelecidas entre cores e emoções tem suas bases em teorias incompletas e em estágio inicial. Apesar disso, um exemplo dessa associação é o fato de cores como azul, verde e roxo serem comumente relacionadas com quietude e descanso, enquanto cores como vermelho, amarelo e laranja são vistas como estimulantes e ativas. Também, é apontado que pessoas expostas a cores como vermelho e amarelo apresentam maiores níveis de ansiedade que pessoas expostas a cores como azul e verde. 

É importante salientar que sujeitos criados em diferentes culturas não têm as mesmas percepções em relação às mesmas coisas. A inserção individual em determinada cultura norteia a forma de pensar, tomar decisões e de estabelecer comunicação. Obviamente, a forma como as cores são significadas também está inserida, variando drasticamente através do mundo. Vejamos alguns exemplos a seguir:


  • Vermelho


O vermelho é supostamente a primeira cor percebida pelo ser humano. Nos tempos pré-históricos, os neandertais pintavam os corpos dos mortos com tinta vermelha como uma forma de recuperar o “calor” do sangue e da vida. Vermelho é associado ao amor e à fertilidade e na roma antiga as noivas eram revestidas por um véu vermelho.


Entretanto, vermelho também é um símbolo de aviso, guerra, destruição, pecado e morte. Na mitologia romana, a cor está relacionada a Marte, deus da guerra. No antigo Egito, era tida como a cor do deserto e do destrutivo deus Seth, caracterizado como tendo cabelos e olhos vermelhos.


  • Amarelo


No Sri Lanka, amarelo é a cor do império e na tradição budista está associado à humildade. Na mitologia grega, Hélio, o deus do sol, veste um manto amarelo em uma carruagem dourada. Já na cosmologia mexicana, o amarelo é a cor que representa o início do tempo chuvoso, quando o verde está prestes a crescer novamente.


Por outro lado, no norte da Europa, o amarelo pode significar desistência e covardia, enquanto no inglês pode representar doença.


  • Verde


O verde é universalmente reconhecido como a cor das plantas e da vida, podendo representar novos começos e crescimento. No folclore celta, o homem verde é um importante deus da vegetação e fertilidade. No antigo Egito, Osíris, o deus verde, simboliza ressurreição e imortalidade.


Contudo, o verde também pode representar coisas negativas. No antigo Egito, gatos com olhos verdes eram temidos e na Europa medieval a cor era relacionada ao diabo e considerada de má sorte. Ela também é relacionada ao perigo e morte. Por exemplo, em um contexto de cultura pop norte-americana, os antagonistas de animações infantis distribuídas pela produtora Disney comumente tem o verde como cor de destaque, como é possível observar na Imagem 2. 


Imagem 2: Vilões da Disney

Fonte: https://pbs.twimg.com/media/FM3r_6sXwAg6QXB.jpg:large


  • Azul


No Egito antigo, deuses e reis eram frequentemente retratados com barbas e asas azuis. No Hindu, a importante divindade Krishna é retratada tendo pele azul. A cor também é símbolo de pureza e paz, sendo associada à virgem Maria. Ainda no que tange ao catolicismo, Jesus ensinava em vestes azuis e a cor era tida como símbolo da verdade e da eternidade de Deus, também simbolizando a imortalidade. Em algumas culturas, amuletos azuis, como o olho grego, são utilizados para neutralizar o mau olhado. Para os ingleses, é tradição carregar algo azul durante a cerimônia do casamento, como forma de “garantir” a fidelidade.


No entanto, azul também é frequentemente associado a depressão, como na expressão inglesa “feeling blue” e pode representar solidão, tristeza, instabilidade, entre outros.


No cinema, azul é a única coisa que o espectador vê na tela durante a exibição do filme Blue (1993), de Derek Jarman. O uso da cor representa o fato de o diretor, devido às complicações relacionadas à AIDS, enxergar apenas em tons de azul durante a produção do filme.


Imagem 3: Poster de divulgação de Blue (1993)

Fonte: https://m.media-amazon.com/images/M/MV5BYjhjNTNiZTktZmZiZi00Yjk3LTk0MDgtZjY0YTAwZDlmOWU1XkEyXkFqcGc@._V1_.jpg


  • Branco


Em muitas culturas o banco simboliza pureza, verdade ou inocência. A cor representa paz, como no ditado “levantar a bandeira branca”. É utilizada em casamentos, batizados e é frequentemente relacionada ao sagrado e ao divino. No Sri Lanka, os budistas visitam os templos em vestes brancas e oferecem flores brancas à estátua de Buda como forma de recuperar a harmonia interior perdida. 


Em contrapartida, o branco também é associado a palidez ou falta de sangue e vigor. No Egito antigo, a cor simbolizava o deserto sem vida. As descrições de fantasmas afirmam que eles emitem luz branca, enquanto na ficção são retratados com um lençol branco. No Brasil, o canto macabro da coruja branca, popularmente conhecida como Rasga-mortalha, é tido como presságio de morte para os mais supersticiosos.


Imagem 4: Rasga-mortalha

Fonte: https://static.ndmais.com.br/2024/09/coruja-2.jpg


  • Preto


Apesar da escassez de conotações positivas para a cor preta, no Egito, terras e nuvens pretas representavam a germinação. Nesse contexto, ela era tida como a cor do renascimento e da ressurreição. Na cultura grega, é a cor de Cronos/Saturno, que representa o tempo. 


Entretanto, preto carrega mais simbologias negativas que positivas. Por exemplo, animais pretos como gatos são considerados de azar, os corvos são considerados prenúncios de morte e a expressão popular “ovelha negra” tem conotação negativa. No cinema, o bode preto “Black Phillip” é a representação de uma entidade maligna no filme “A bruxa” (2015), de Robert Eggers.


Imagem 5: Black Phillip – A bruxa (2015)

Fonte: https://www.einerd.com/wp-content/uploads/2020/06/a-bruxa-black-phillip-e1592575924764-890x606.jpg


        A cor também é relacionada ao medo, ao desconhecido, ao luto e à morte. O Ceifador, personificação da morte, é comumente caracterizado em vestes pretas, tal como ocorre em filmes como “O sétimo selo” (1957), de Ingmar Bergman, ou “O gato de botas 2” (2022), de Joel Crawford.


Imagem 6: A morte em “O sétimo selo” (1957)

Fonte: https://pbs.twimg.com/media/F2QM1XBbgAAxJ6m?format=jpg&name=4096x4096


Imagem 7: A morte em “O gato de botas 2” (2022)

Fonte: https://static.wikia.nocookie.net/animeverso/images/0/07/Death_Render.webp/revision/latest?cb=20230414033447&path-prefix=pt-br


REFERÊNCIAS:


CAJANAYAKE, Harshani. Cross-cultural emotion and symbolic meaning of colors. [S. l.], 2019. Disponível em: https://international.binus.ac.id/graphic-design/2022/02/02/cross-cultural-emotion-and-symbolic-meanings-of-color/. Acesso em: 9 maio 2025.


SILVA, André Costa Aciole da. A bílis negra causa câncer: notas sobre o câncer no saber médico antigo e medieval. Brathair, São Luís, v. 20, n. 2, p. 280-300, 2020. Disponível em: https://ppg.revistas.uema.br/index.php/brathair/article/view/2383. Acesso em: 9 maio 2025.


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